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A proposta artística do Boi Caprichoso foi oficialmente lançada durante coletiva de imprensa na Escola de Arte Irmão Miguel de Pascale, no Curral Zeca Xibelão

FOTO: Aguilar Abecassis/Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa
O Boi Caprichoso apresentou, na quarta-feira (25/06), o projeto de arena para o Festival de Parintins 2025, com o tema “É Tempo de Retomada”. Inspirado em um livro da escritora indígena makuxi Truduá Dorrico, o espetáculo será dividido em três atos que dialogam com a proposta de resgatar a história e a identidade amazônida.
O Caprichoso é o segundo bumbá a entrar na Arena do Bumbódromo na sexta-feira (27/06) e abre as noites de sábado e domingo (28 e 29).
A proposta artística foi oficialmente lançada durante coletiva de imprensa na Escola de Arte Irmão Miguel de Pascale, no Curral Zeca Xibelão. Na ocasião, também foi relançado o livro “Tempo de Retomada”, que serve de base para o projeto, agora com edição especial em parceria com o Boi Caprichoso.
Segundo o diretor de arena Edwan Oliveira, o espetáculo une pesquisa, planejamento e alta produção artística para exaltar lendas, rituais e a força dos povos indígenas da Amazônia.
“O Caprichoso vem com um projeto grandioso, muito bem pesquisado, planejado e elaborado. Teremos três noites altamente produzidas do ponto de vista artístico, plástico, coreográfico, cênico e musical. ‘É Tempo de Retomada’ fala sobre nos reapropriarmos daquilo que deixamos de fazer ou que nos foi tirado. É a hora de levantar bandeiras: das minorias, dos povos indígenas, da Amazônia. É um projeto bonito, potente e simbólico. Não tenho dúvidas de que a nação azul e branca, e todo o público, vai se encantar nas três noites”, afirmou.
O presidente do Boi Caprichoso, Rossy Amoedo, reforçou que o projeto segue o padrão elevado do bumbá nos últimos anos e que a agremiação está confiante na busca pelo tetracampeonato.

FOTO: Aguilar Abecassis/Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa
“O Caprichoso vem numa evolução constante. Em 2022, 2023, 2024 e agora em 2025, elevamos ainda mais o padrão do espetáculo. Temos um álbum incrível, composições marcantes, alegorias impactantes, figurinos de tirar o fôlego. Estamos muito seguros da apresentação que levaremos à arena. E é importante destacar: o Caprichoso se prepara para ser pontuado, não para ser despontuado”, declarou.
O presidente do Conselho de Artes, Ericky Nakanome, explicou que o tema central foi desenvolvido com autorização da autora indígena e que a narrativa do projeto também resgata histórias dos territórios culturais do Caprichoso, como os bairros do Palmares e da Francesa.
“Nossa principal fonte de inspiração vem da própria trajetória do Caprichoso nos últimos anos. Estamos retomando filhos, convicções, territórios, espaços simbólicos, memórias e afetividades. Sabemos que o festival tem raízes coloniais. Temos um boi com elementos sincréticos, mas reconhecemos o poder transformador desse espaço. Por isso, buscamos uma perspectiva decolonial, mesmo dentro da tradição. Queremos brincar, subverter e reinventar — hackear culturalmente a própria cultura também é uma tática de resistência”, afirmou.
O espetáculo será dividido em três atos, com títulos em línguas indígenas: Amyinpaguana: Retomada pelas Lutas (1ª noite); Kizomba: Retomada pela Tradição (2ª noite); Kaá-eté: Retomada pela Vida (3ª noite).
“Na primeira noite, vamos entrar na arena celebrando nossa ancestralidade. Depois, apresentamos a Lenda Amazônica, que simboliza essa retomada. A segunda noite vai além do encantamento: quando a tinta toca o boi, ela limpa, mas também denuncia. Denuncia a dor de uma festa que muitas vezes se constrói dentro de estruturas racistas. A festa do boi também é uma festa de resistência. Por isso, a retomada também é pela memória e pela tradição”, explicou Nakanome.

FOTO: Aguilar Abecassis/Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa
“Na terceira noite, ‘Retomada pela Vida’, o Caprichoso vai encher a arena com a cor que mais representa a gente: o verde. O verde das florestas, da vida que recomeça. Quando olhamos para o ar, o igarapé, o rio — nos ensinam que são apenas espaços de lazer. Mas não. Eles são corpos sagrados, espirituais. E é isso que queremos dizer com essa retomada”, completou.
Literatura indígena como base do enredo
A escritora Truduá Dorrico, autora do livro Tempo de Retomada, destacou que a obra não trata apenas da retomada territorial, mas também de uma reconexão subjetiva com o orgulho de ser indígena.
“O livro busca resgatar o orgulho nos corpos indígenas, inclusive naqueles que ainda não se reconhecem como indígenas. Trazer isso para a arena, para o curral, transmite uma mensagem poderosa — para Parintins, para o Brasil e para o mundo. Se o Brasil sente tanto orgulho das identidades europeias, por que não das indígenas?”, questionou.
Com 15 anos de trajetória acadêmica, Truduá é doutora em Teoria da Literatura, além de poeta, curadora, artista e palestrante. Ela contou que a motivação para escrever surgiu da necessidade de ressignificar a imagem do corpo indígena.
“Os relatos dos meus parentes se repetiam: por termos cabelo preto, olhos puxados, pele morena, sempre fomos colocados no lugar do ‘índio feio’. E eu pensei: está na hora de mudar isso. O livro é uma forma de ressignificar, de escrever outras imagens e criar caminhos para um país mais democrático”, concluiu.